“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.”

Amyr Klink

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08 julho, 2010

Um plongeur que não aceita ser plongeur

De longe a pessoa que mais me faz rir aqui em Paris é o meu plongeur.
Bom, plongeur para a grande maioria dos franceses significa mergulhador. Para mim e todos que trabalham em restaurante é o famoso "pianista". Não o que toca piano, mas o que fica na pia, lavando louça e panelas pesadas.
No primeiro dia que o conheci ele se apresentou como Gil, mais tarde me disse que se chama Sahid, quando fui pedir o facebook dele, me disse Mohamed Ali (detalhe... encontrei milhares desse nome no facebook, parece que é um nome bem comum na Algéria). A verdade é que hoje eu o chamo de Sahid. A história dele... ah... essa ele disse que contou só para mim e me pediu segredo. Só posso dizer que é um menino com um coração enorme e cheio de sonhos, sonhos mulçumanos. Respeito as diferenças, mas minha cabeça brasileira, por mais viajada e aberta que seja, não consegue entender essa cultura tão diferente.
Eu falei que meu plongeur é engenheiro? Sim! Pasmem!
Ah, desculpe, Sahid, esqueci que você não quer ser plongeur (ele fica bravo!). Como além da lavação ele também faz as saladas, ele gosta de ser chamado de "commis de cuisine" (auxiliar de cozinha).
Bom, o ritmo de trabalho do meu commis é diferenciado (rsrs), tout doucement. Ele dá volta em torno dele mesmo e acaba por gastar 1 hora para ajudar a garçonete a varrer o salão e colocar as cadeiras para fora, mais 1 hora para lavar a louça do dia anterior que ele não deu conta, e lavar o alface? e cortar o tomate? ah, isso ele começa 12:30. A sorte é que não temos muito movimento esse horário, quando temos, ele atola! A verdade é que ele pensa demais para um serviço braçal e morcega muito também! Parece um pesadelo para quem está de fora lendo, mas ele é engraçadissimo. Arregala os olhos e fica parado sem saber o que fazer. Só pensando!
Essa está sendo a primeira experiência dele em cozinha. Quando ele chegou em Paris trabalhou em uma montadora de automóveis e teve um acidente. Esqueceu a mão na máquina e perdeu uma parte do dedo. Não sei como nem onde, ele passou por uma cirurgia e acho que não foi bem feita (ilegal, sem seguro saúde, provavelmente foi no médico mais barato), pois hoje ele tem caimbras horrendas em todo o lado direito, braço e perna. Se tivesse passado por um médico do trabalho aqui na França nunca teriam autorizado a trabalhar em cozinha. Ele não pode carregar peso, nem trabalhar muitas horas em pé. Muito triste para um menino de 23 anos.
Bom, tudo isso foi para vocês visulaizarem um pouco a pessoa de quem eu estou falando e poderem rir comigo de alguns fatos engraçados no restaurante.

Caso número 1 - Pedido de duas bananas splits.
Ba: Duas bananas, por favor.
Sahid: Não tem bananas.
Ba: Sim! Eu vi ontem. Procure!
Sahid: Elas estavam podres, eu joguei no lixo.
Ba: Quando você jogou? Você abriu as bananas e verificou?
Sahid: Não, elas estavam pretas por fora.
Resultado: Me senti a prórpia Catherine Zeta Jones no filme "Sem Reservas" quando ela tirava do lixo as trufas carissimas que a sobrinha tinha jogado fora. Claro, não sou Catherine Zeta Jones, e tirava apenas duas meras bananas embrulhadas na sacola do supermercado do lixo da cozinha. As bananas estavam ótimas!
Análise: conhecimento zero sobre banana! rsrs

Caso número 2 - Preparação de salada de frutas
Ba: Por favor, pique as frutas para a salada de frutas. O outro cozinheiro já fez com você uma vez, qualquer coisa você me chama para tirar dúvidas, ok?
Sahid: Ok. Eu sei fazer, pode deixar!
Garçonete: Eu vou ajudá-lo.
Ba: Ótimo! Comecem!
De repente... um grito da garçonete.
Vocês acreditam que ele estava com um cutelo tentando cortar a manga?
Definição de cutelo: faca de lâmina retangular afiada de um só lado para cortar ossos, usada principalmente por açogueiros.
Ele não sabia que a manga tinha caroço! Imaginem! Ai, imaginem pedaços de caroço de manga na salada de fruta do restaurante.
Análise: conhecimento zero sobre manga! rsrs

Caso número 3 - Chegada de mercadoria
Quem leu meu post da Table de d'Artagnan sabe que são cinco restaurantes um do lado do outro, tudo do mesmo dono. Então quando a mercadoria chega, chega tudo junto, é um salva-se quem puder. Cada um pega o que quer. É a maior bagunça!
Numa quarta feira de manhã, tudo super tranquilo...
Garçonete: Bárbara, Bárbara, venha, venha! Mercadoria!
Eu tranquila como sou, fui com calma. Meu plongeur saiu correndo igual um doido atrás dela. No que eu cheguei lá, eles já tinham apanhado um monte de coisa e acumulado tudo na porta do restaurante para ganhar tempo, ao inves de descer para o estoque e câmara fria.
No que eu pego uma caixa de abobrinha e estou voltando, vejo a imagem do meu plongeur com toda a problemada de peso que ele não pode carregar, arrastando e correndo, ao mesmo tempo, dois sacos de batata de acho que 10 kilos cada um, um em cada mão.
Resultado: Uma caixa de beterraba (não sirvo beterraba no restaurante), 30 kilos de batata em saco (só dá para fazer gratin, haja gratin!), 0 caixas de batata (essas são a para fazer souté e fritas, que normalmente sirvo no resto), 2 caixas de pêra e uma de abacate que não cabiam na câmera fria e tivemos que doar para os outros restaurantes depois de pegar tudo correndo. Que vergonha!

Caso número 4 - Inundados por espumas
Meu plongeur que não é plongeur, faz a louça. Isso é fato! Queira ele ou não.
Nunca conheci ninguém que fale tanto, nem o David meu amigo francês fala tanto. Bom, entre fofocas e cafezinho, ele deixou a torneira aberta, enchendo a pia de água para lavar os pratos. Quando olho para a pia, a espuma do detergente que ele tinha colocado, fazia montanhas, pior que a Serra do Curral em BH. Se eu não visse, teria caido no chão e feito a maior lambança.

Apesar de tudo isso, para mim é um prazer trabalhar com pessoas como ele e a garçonete que adoro. Pessoas maravilhosas que alegram o meu dia.

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